quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sobre o Virtual

Entao pessoal, tive que dar uma parada no skate p/ poder defender o mestrado. entao tenho passado o dia escrevendo. para nao deixar isso aqui as moscas to postando ai embaixo o posicionamento filosofico do trabalho! Comentem por favor !!


bjs e abs do JV



1. Sobre o Virtual

1.1. Sobre o Virtual

Entender o objeto virtual, ou eletrônico, é uma missão relativamente simples, principalmente, como afirma Kant (2009), quando tratamos de elementos já conhecidos. Segundo esse autor, “Nosso conhecimento tem duas origens principais na mente”: uma delas se caracteriza pela capacidade de receber as representações, já a outra “é a faculdade de conhecer um objeto por essas representações”; ou seja, enquanto um objeto nos é fornecido pela primeira, a segunda nos permite pensa-lo em relação a essa representação, “como pura determinação da mente” (KANT, 2009, p. 53). Definir este termo – virtual - no entanto, é de extrema complexidade.

Muito antes da existência da eletrônica moderna, a palavra virtual já existia na língua, tendo suas raízes no termo latino Virtus, que significa virtude, força, potência. Ao ser trazido para a língua portuguesa, algumas outras definições para este vocábulo se apresentaram (SOUZA R. R., 2001):

- O que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual;

- Que não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade;

- O que é suscetível de se realizar, potencial, possível;

- Que equivale a outro, podendo fazer às vezes deste, em virtude ou atividade;

- O que está predeterminado, e contém todas as condições para sua realização.

Notavelmente, essas definições não fogem muito ao significado original da palavra, e continuam no âmbito do “potencial”, sem, sequer, mencionar fatores tecnológicos. Isso ratifica o pensamento de Pierre Lévy, que considera que antes das tecnologias eletrônicas (dos dispositivos técnicos), já existiam vetores de virtualização, tais como a imaginação, a memória, o conhecimento e a religião (LÉVY, 2001). Consequentemente, podemos inferir que o termo foi emprestado, o que torna possível entender sua derivação para o objeto eletrônico. O que é certo, afinal, é que ele não é uma entidade materializada em nosso espaço concreto, ou melhor, geográfico, porém, contém em si todos os dados, teorias e cálculos para que num futuro (potencial) venha a existir de maneira palpável.

Ao entramos na era dos meios digitais e das relações eletrônicas, novas definições se apresentam e um dos principais autores que trata desse tema é, o já mencionado, Pierre Lévy. Esse filósofo considera o virtual como um "complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução, a atualização." (LÉVY, 2001, p. 16), ou seja, começamos a entender a virtualidade como um processo dinâmico de vir-a-ser. Nesse ponto, o antagonismo entre o real e o virtual é destituído, substituindo o primeiro termo por atual: “o movimento de atualização seria como a resolução constante do nó de tendências que constitui a virtualidade; a solução assumida a cada momento pelo que potencialmente a entidade pode ser; resolução do problema representado pela virtualidade. O real, por sua vez, assemelharia-se ao possível.” (SOUZA R. R., 2001, p. 2).

Em contrapartida, ao analisarmos particularmente o objeto desta pesquisa – modelos virtuais/eletrônicos tridimensionais – deparamos com certa contradição nas interpretações acerca do termo acima discutido. Para o geógrafo Milton Santos o computador “não simplifica o que é complexo, mas contribui à sua apresentação simplificada, o que somente obtém à custa de um processo brutal de redução”. O autor acrescenta, ainda, que, “para ser eficaz, o pensamento calculante exclui o acidente e submete a elaboração intelectual a uma pratica onde a sistematização e a estandardização impõem sua lógica própria, isto é, o domínio da lógica matemática sobre a lógica da história. É como se as matemáticas ganhassem vida própria (...) ou como se o espaço matemático se encarnasse materialmente” (SANTOS, 2009, p. 186). Dessa maneira, podemos afirmar que a virtualidade está contida nos conceitos e interações que nortearão a confecção de um determinado modelo eletrônico e não especificamente nele.

Ao lembrarmos as ideias de Kant (2009) sobre o entendimento, percebemos que o modelo eletrônico é uma forma de visualização de conceitos pré-concebidos, esses sim virtuais - pelo fato de apresentarem infinitas possibilidades potenciais - servindo como uma excelente ferramenta na destilação dos conceitos rumo à concretização física/geográfica do objeto. Santos (2009), citando Getler, teoriza que “com a tecnociência, tornou-se possível o método de estudo e antecipação, significado pela cibernética” (SANTOS, 2009, p. 182). Nesse momento, o objeto eletrônico é colocado alinhado ao campo do possível, que, como já afirmou Souza (2001), assemelha-se ao real. Para que esse objeto seja possível, além disso, é necessário que seja atual, o que, para Lévy (2001), o torna antagônico ao virtual: “(...) a execução de um programa informático (...) tem a ver com o par possível/real, a interação entre humanos e sistemas informáticos tem a ver com a dialética do virtual e do atual.” (LÉVY, 2001, p. 17).

Outro fato que nos faz retornar aos ditos de Santos (2009) sobre a encarnação da matemática é a ordenação lógica da programação, que baseia a formulação de softwares de modelagem e a própria ação de modelar em tal plataforma. Esse sistema é baseado na matemática euclidiana/cartesiana, tendo sempre uma origem e três planos representados por x, y e z, que correspondem à tridimensionalidade do mundo que nos cerca. Essas características implicam cuidados no ato da modelagem: o trabalho é realizado em uma abstração do espaço tridimensional, que é codificado através da representação matemática clássica, para que seja possível utilizar uma interface bidimensional como uma tela de computador, como uma plataforma de visualização. É evidente, portanto, que a representação eletrônica tolhe inúmeros dados para que seja possível a formatação em padrão euclidiano/cartesiano, o que impede, muitas vezes, a construção de geometrias que estão em desacordo com os arquétipos de tal sistema, limitando, e muito, o número de soluções – atualizações – do complexo problemático apontado por Lévy (2001).

Por outro lado, em um momento posterior, ao tornar-se objeto físico/geográfico, novas potencialidades surgem. Segundo Milton Santos (2009), o sistema de objetos e o sistema de ações são os responsáveis pela formação do espaço geográfico. Quando trabalham de forma indissociável, ou seja, para que um objeto exista no espaço, é impreterível a existência de uma ação, assim como o contrário: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a história se dá.” (SANTOS, 2009, p. 63). Isso nos faz crer que, por mais projetado e imbuído de significações, a ação a qual o objeto será submetido é individual, quer dizer, cada ser tem uma interpretação própria, advinda de suas realidades – social, cultural, ambiental e etc.- sobre tal objeto e seu uso. Ele carrega em si certa carga de predições; todavia, a interação com o individuo é única e pessoal, e ao analisarmos estas interações sob um aspecto potencial, podemos reconhecer a carga de virtualidade aplicada que Lévy nos aponta: “virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela relaciona-se, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular.” (LÉVY, 2001, p. 18). Como objeto físico/geográfico, e, por conseguinte, sujeito às leis naturais - tais como a gravidade, a radioatividade, etc. – esse elemento não é podado por sistemas matemáticos codificados pelo homem, sendo sua existência e, consequentemente, sua análise, cabíveis no âmbito de uma “matemática” natural, ou seja, que tende ao infinito, sendo muito mais amplo que o objeto eletrônico.

À luz dos fatos apresentados anteriormente, podemos concluir que o modelo eletrônico deve ser analisado não como entidade virtual, mas como entidade de atualização, que irá responder à virtualidade que concebe o mesmo, lembrando-nos, dessa forma, a diferença entre semelhança e similitude apontada por Foucault (1988):

“A semelhança tem um padrão: elemento original que ordena e hierarquiza a partir de si todas as copias, cada vez mais fracas, que podem ser tiradas. Assemelhar significa uma referência primeira que prescreve e classifica. O similar se desenvolve em séries que não tem começo nem fim, que é possível percorrer num sentido ou em outro, que não obedecem a nenhuma hierarquia, mas se propagam de pequenas diferenças em pequenas diferenças. A semelhança serve a representação, que reina sobre ela; a similitude serve a repetição, que corre através dela. A semelhança se ordena segundo o modelo que está encarregada de acompanhar e de fazer reconhecer; a similitude faz circular o simulacro como relação indefinida e reversível do similar ao similar.” (FOUCAULT, 1988, pp. 61-62)

Não é pretensão desse trabalho chegar a afirmações e definições sobre o que é ou o que não é o virtual. A explanação anterior tem por objetivo apenas situar o leitor nessa discussão de deveras importância, e, desse modo, abalizar as referências sobre os objetos tratados, assim como o partido tomado: o virtual esta na interação, e não no objeto em si, desse modo, opto pela nomenclatura “modelo/objeto eletrônico” em detrimento à “modelo/objeto virtual”.